Pensata

Fernando Canzian

09/11/2009

Monstruosidades

NOVA YORK - Há alguns anos, conversava sobre a cidade com a moça que cortava meu cabelo. Ela se dizia cheia de Nova York e que se mudaria em breve para Miami.

Tudo o que tinha no apartamento caberia em uma espécie de container com rodas da U-Haul que alugaria. Engancharia aquilo no carro e ia embora. Finalizava um contrato de aluguel de imóvel na Flórida. E emprego? Não era problema. Pensaria nisso lá.

Corriam os anos de "pleno emprego" nos EUA. Durante quase toda a segunda metade do governo Bill Clinton (1993-2001), o desemprego estacionou entre 4% e 5%. Trabalho era questão secundária.

Na semana passada, ficamos sabendo que o desemprego americano subiu para 10,2% em outubro, o maior em duas décadas e meia. Mais uma leva de 190 mil demitidos no mês. Nunca desde o pós Segunda Guerra foi tão difícil arrumar trabalho e planejar o futuro nos Estados Unidos.

Isso aconteceu violentamente no mercado de trabalho mais desregulamentado entre as grandes economias. Há menos de 18 meses, o desemprego era a metade do atual.

No esquema norte-americano, se existe um sindicato por trás é até possível resguardar direitos e negociar períodos de ausência remunerada. Mas milhões têm de deixar de receber se quiserem descansar.

As pessoas também são demitidas sumariamente, sem compensações ou multa, o que não ocorre no Brasil no caso do "sem justa causa". No ambiente americano, trabalho é custo. Recessão, "justa causa". Daí a velocidade dos cortes.

Com o aumento do desemprego, a produtividade dos que ficaram deu um salto. Entre julho e setembro foi a maior alta em 60 anos, quando essas estatísticas passaram a ser compiladas.

Isso é o que explica o fato de os EUA terem crescido 3,5% em termos anualizados no terceiro trimestre, apesar do desemprego em alta. No período, a produtividade saltou 9,5%.

Em qualquer recessão o mercado de trabalho é o último a se recuperar. Não será diferente. O problema, desta vez, é que só o setor público está gastando e empregando. O resto do país (que tecnicamente saiu da recessão com o PIB positivo do terceiro trimestre) vai na direção oposta.

Desde o início da recessão (dez.07), 8,3 milhões de pessoas foram demitidas nos EUA, grande parte na indústria e construção civil. No período, a área de saúde, muito dependente de verbas públicas, foi a que mais contratou: 597 mil pessoas.

No marketing, o governo Obama infla ainda mais os números. Diz que seu programa de estímulo fiscal de US$ 787 bilhões ajudou a criar ou a manter 650 mil empregos neste ano. O site oficial do plano diz vagamente, por exemplo, que a compra de um único cortador de grama de US$ 1.050 para um cemitério público no Arkansas teria ajudado a manter ou a criar 50 empregos...

Se ainda procuramos sinais de recuperação sustentável nos EUA, eles ainda não emergiram do monstruoso desemprego.

*

Por falar em monstros, morreu um dos maiores pesquisadores do chamado "Monstro do Lago Ness", na Escócia.

O incrível é que Robert Rines, morto aos 87, é um reconhecido cientista e inventor de radares e sonares. Egresso do MIT, o principal centro de estudos tecnológicos dos EUA, teve tantas patentes aprovadas que elas incentivaram mudanças na lei norte-americana para a área em 2000.

Algumas de suas invenções são usadas até hoje nos mísseis norte-americanos Patriot, famosos na primeira Guerra do Iraque (1990) quando interceptavam os Scuds de Saddam Hussein. Outras ajudaram a encontrar os restos dos navios Titanic e Bismark e a desenvolver a ultrasonografia.

Rines achava ter visto o monstro com outras três pessoas em sua lua de mel na Escócia, em 1972. O que só deu "credibilidade" à história (a lenda do monstro começa na década de 1930). Os quatro disseram ter avistado algo como um grande barco de ponta-cabeça com textura de pele de elefante por alguns minutos.

Também autor de peças teatrais e violinista (há registro de um dueto com Albert Einstein quando ele tinha 11 anos), Rines chegou a colocar golfinhos com câmeras no Lago Ness atrás do monstro.

Vários anos atrás, disse ter chegado à conclusão de que a criatura talvez tenha morrido antes que pudesse ter sido encontrada.

Fernando Canzian é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006 e é autor do livro "Desastre Global - Um ano na pior crise desde 1929". Escreve às segundas-feiras na Folha Online.

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